quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O traçado urbano das cidades coloniais brasileiras: legados para a formação das cidades no período imperial.

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar a formação do traçado urbano das cidades brasileiras, seu recorte temporal será o século XVIII e XIX. A descoberta de ouro em Minas Gerais na transição do século XVII para o XVIII fez com que a Coroa portuguesa desenvolvesse estratégias para controlar eficazmente a sua colônia brasileira. Respeitando um esquema original joanino (D. João V), as ações tomadas visaram desde o primeiro momento promover a organização dos povoados que, em linhas gerais obedeciam a princípios estabelecidos nos traçados reguladores desenvolvidos pelos renascentistas, sendo estes traçados eram estudados na formação portuguesa dos engenheiros militares, agentes fundamentais nesta empreitada. O processo ganhou maior ímpeto no comando do Marquês de Pombal (1699-1782), implementando ideais por filosóficos iluministas. Essa mentalidade vai se refletir no desenho dos traçados urbanos da época, com praças quadradas, gabarito e alinhamento do casario uniforme, o urbanista do século XVIII confiava em planos urbanos previamente elaborados, que se caracterizavam por um cumprimento de regras da geometria e na métrica estabelecida por leis de proporção rigorosas. A virada do século trouxe ingredientes extremamente importantes para caracterizar a evolução urbana do Novo Mundo e consequentemente para o Brasil que, entretanto, se tornou independente. Falamos da implementação de um sistema econômico mundial liderado pela Inglaterra, colocando nesta latitude a função de produção de matérias primas e receptora de capitais e bens industriais. Assim, foi criado um momento na história em que a aceleração dos processos, dos transportes e da informação culminasse em construções de cidades com raízes nas malhas coloniais, mas adequadas à nova realidade, com escalas maiores, com mais atenção à higiene publica e inclusivamente importando conceitos europeus, no que se refere à forma e urbanidade.



Introdução


Neste artigo pretende-se levantar algumas questões sobre as características do traçado urbano que os portugueses implantaram no Brasil desde os primórdios da colonização que acreditamos permanecerem ainda determinando o desenho urbano de cidades criadas no período do segundo reinado, contribuindo para o estudo de fundo da cidade de Petrópolis.

O traçado de cidades no Brasil Colonial, três fases conceito: 


Primeira Fase, 1500-1706: Descobrimentos, União das Coroas, Restauração.


Nesta fase, não houve por parte do governo português muito investimento na fundação de cidades no Brasil. Principalmente quando comparamos os 57 núcleos brasileiros como os 330 povoamentos fundados no mesmo período na América Espanhola.

O traçado urbano decorre sobretudo do que resulta do processo de edificar alinhado com o processo de consolidar a territorialidade. Era a edificação das estruturas necessárias, que determinava como ficaria a rede urbana. Essa forma de urbanizar se enquadra no medievalismo urbano português.

No caso de estudo de Salvador (BA), conjunto urbano vocacionado para a capitalidade do lugar, deu ordem para implantação da cidade. Existia, no entanto, um conjunto de valores a serem respeitados tais como questões defensivas, de ordem social e de higiene.

Iconografia da cidade de Salvador em 1629
Salvador - 1629
  
A cidade se dividia em duas partes de acordo com as características do território, a parte alta e a parte baixa. Parte alta: Poder Político, institucional, militar e religioso, iniciava-se com a implantação de edifícios proeminentes, a malha urbana decorria dessa presença e a articulação com a via principal.  Parte baixa – Atividades comerciais e portuárias; resultava um caminho longo ao longo da costa, que pontualmente se ligava à parte alta.

No caso do núcleo de Sumidouro (MG), fundado pelo chefe de bandeira Pais Leme em 1675, pela sua importância no que toca à sua vocação aurífera, encontramos de alguma forma o critério organizador de então, entretanto neste caso “sem muros”. Uma igreja com sua praça e um apontamento de rua principal estabelece o fluxo do aglomerado populacional.

Mapa de Sumidouro
Sumidouro - 1730

Segunda Fase, 1706 - 1750: Reinado de D. João V 


Nesta época resgata-se o investimento nos conhecimentos científicos. Surge a figura do engenheiro militar português cada vez mais desvinculado da tutela do ensino jesuítico, sua formação torna-se cada vez mais laica. Começa então a surgir mais eficazmente a aplicabilidade de conceitos clássicos da arquitetura, como o espaço urbano partindo de um plano e princípios geométricos, que resultavam em um traçado regular. Era assim, agora, um espaço traçado à priori. 

Caso de Vila de São João da Parnaíba (PI), O traçado para a localidade foi definido em 1716, mas só foi levado a efeito em 1761. Da observação do levantamento de 1798 podemos observar as características do projeto para a região contemplava: Praça central com Pelourinho, Igreja, Câmara, cadeia e outras instituições públicas, Lotes para residência em linha reta, todas as casas com fachada uniforme.

Mapa de São João da Parnaíba
Mapa de São João da Parnaíba - 1761 

Caso de Vila Boa (MT), assente sobre o arraial de Santa Ana, fundada em 1739, neste caso verificamos o que já tínhamos entendido como linhas principais do modelo de vila imposto pela Coroa Portuguesa, uma comunidade assente segundo um modelo de traça urbana retilínea e com fachadas uniformes.

Planta de Vila Boa
Planta de Vila Boa - 1782

 Embora tenha sido projetada sobre um arraial, o que era uma condicionante, o traçado resultante não foi o esperado. Como prenuncio ao rigor dos tempos que viriam, pelo não cumprimento total das indicações, por volta de 1770, foi expedido um novo plano diretor para correção do existente.

Planta de Vila Boa
Planta de Vila Boa - 1790

O caso de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), fundada em 1752, também vem para ilustrar o caso acima, no que toca ao rigor que se pretendia de traçado. O código de planejamento foi idêntico ao de Vila Boa com a ênfase em simetria, ruas de largura uniforme e em linha reta e, com fachadas uniformes.

Planta de Vila Bela
Planta de Vila Bela


Na terceira fase, 1750 – 1808 – Regência de D. José I e D. Maria


Com início na regência de D. José I, eram usados planos predefinidos, eram projetos feitos à priori, com aporte conceptual e adaptações feitas no local, no qual o projeto era aplicado.

Caso de São José de Macapá (AP), fundada em 1758, projeto para se integrar com comunidades vizinhas e fazer parte de um sistema econômico regional. O planejamento foi detalhado minunciosamente devido à rigidez do traçado imposto e a dinâmica do próprio local sujeito a enchentes. O resultado foi que a partir de um modelo principal de duas praças, gerariam outros subsistemas ortogonais, as condicionantes do local impuseram “quebras” que originaram a malha urbana final.

Planta de Macapá
Planta de Macapá

Caso de Nova Mazagão (AP), fundada em 1770. Tinha como função demarcar limites com a América hispânica. A povoação era composta de índios locais e colonos portugueses, temos de novo um plano pré-concebido, uma malha organizadora e orientadora que vai ser assente rigidamente sobre o local e vão ser as características do local que vão ditar os limites da intervenção.
Século XIX – Permanências do período colonial.

Planta de Mazagão
Planta de Mazagão


Século XIX – Permanências do período Colonial


Caso de Teresina (PI), Vila Fundada em 1852 para ser Capital do Estado, o modelo aponta uma apropriação dos modos coloniais de projetar, na terceira fase colocada aqui neste artigo, a quadricula como base compositiva que se adapta ao local, traçado ortogonal e simétrico e eixos que nascem na praça matriz e dão origem aos quarteirões.

Planta de Teresina
Planta de Teresina


Caso de Aracaju (SE), Vila Fundada em 1855 para Capital do Estado do Sergipe. Mais um modelo que aponta a quadricula como base de projeto e edifícios excepcionais em eixos importantes do projeto. 

Planta de Aracaju
Planta de Aracaju

Caso de Petrópolis (RJ), Vila Fundada em 1846, foi implantada no caminho novo, percurso que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais.

Croqui da Planta de Petrópolis 1846
Croqui da Planta de Petrópolis 1846

O Palácio é o ponto irradiador, começando pelas ruas imperador e imperatriz e daí erradia “sua presença”, não de um jeito circular, mas orgânico
O traçado, é um traçado orgânico, tentacular, que decorre do acompanhamento dos seus três rios: Piabanha, Quitandinha e Palatino. Estruturas essas que se tornaram referência, viária e, também pela colocação das moradias de frente para estes, promovendo entre outras coisas questões, de beleza e, higiene.

A cidade desde seu início foi regulada por um planejamento que tinha como móvel ideológico hierarquizar e organizar o espaço de modo tanto a viabilizar a cidade, quanto a de representar simbolicamente a monarquia. Esse simbolismo decorre da colocação dos seus marcos principais, palácio do imperador, catedral, palácio de cristal, entre outros.

Consideração Final


Independente da carga simbólica que se colocou na cidade, e mesmo tendo um padrão tão próprio de implantação a mesma se adaptou, no seu tempo e à sua escala, ao momento industrial do século XIX. 
Tanto pelas questões simbólicas como pelo seu traçado original a cidade foge da influência da época. Em uma observação criteriosa conseguimos entender elementos da primeira e da segunda fase de modelo urbano colonial, quase medieval, uma cidade que decorre em meio a um caminho e que nesse percurso tem praças, que enquadram edifícios principais, opções essas que eram as permitidas pelo terreno. Por outro lado, inquestionável é o processo de concepção à priori, de um projeto cuidado e intencional. Por isso coloca esta cidade com características singulares para a época.

Bibliografia:


  • BUENO, Beatriz Siqueira. Particularidades do processo de colonização da América espanhola. 2001
  • DELSON, Roberta Marx. Novas vilas para o Brasil-Colônia. Planejamento espacial e social no sec XVIII. Brasília, Edições Alva, 1997.
  • PEREIRA, M. A. C. S.. Visão de cidade e territorio no peridodo joanino - a acção do brigadeiro Alpoin. 2001
  • TEIXEIRA, Manuel A. C.. A Forma da Cidade de Origem Portuguesa. São Paulo. Editora UNESP. ed. 2012

Cartografia:

  • Arquivo Do Museu Imperial de Petrópolis
  • Arquivo da Biblioteca Nacional do Brasil
  • Arquivo da Biblioteca Nacional de Portugal
  • Arquivo Ultramarino de Lisboa